Negligência e incompetência com o patrimônio histórico

O Carnaval passou e milhares de turistas que visitaram Salvador (BA) nesse período, não tiveram a chance de conhecer diversos prédios históricos tombados, por estarem interditados. O desabamento, no dia 13 de março, do forro do teto da Igreja de São Francisco de Assis, a Igreja de Ouro, no Pelourinho, feriu cinco visitantes e causou a morte de uma turista paulista. Antes, no dia 24 de fevereiro, outro prédio histórico da capital baiana, a Câmara Municipal, pegou fogo. Incidentes como esses trouxeram à tona uma série de questionamentos sobre a gestão do patrimônio histórico no país.

Desde 2014, o IPHAN tinha conhecimento da necessidade de intervenções emergenciais nas estruturas da Igreja e do Convento de São Francisco na capital baiana. Dois dias antes do desabamento, o padre da igreja solicitou uma vistoria, alertando sobre rachaduras e dilatação no forro do teto. Em resposta evasiva, a Presidência do IPHAN declarou que a solicitação foi feita pelo protocolo normal do instituto e que esse não seria o caminho para casos de urgência. Em outras palavras, transferiu a responsabilidade para o padre da igreja. Somente depois da tragédia, é que o IPHAN acionou uma força tarefa, fez vistorias e interditou mais oito igrejas no centro histórico de Salvador com risco de desabamento.

Por que isso não foi feito antes? Vale lembrar que a ministra da Cultura é baiana e o chefe da Casa Civil, que administra o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), é ex-governador do Estado.

A Presidência do IPHAN tem a obrigação de garantir a preservação e a segurança do patrimônio histórico do Brasil. A Igreja de Ouro, uma das mais visitadas de Salvador e um dos principais símbolos da rica arquitetura barroca no país, deveria ser prioridade em qualquer gestão responsável. No entanto, ela opta por se esconder atrás de burocracias e protocolos, ignorando os riscos evidentes que culminaram em uma tragédia anunciada.

Infelizmente, um professor e sociólogo foi alçado ao cargo de presidente do IPHAN, após ser derrotado nas urnas no Distrito Federal, em mais um caso, cada vez mais recorrente no Brasil, de nomeação de autoridade sem qualificação técnica para posições estratégicas.

Por conta disso, eu não poderia deixar de citar o Fórum em Defesa do Patrimônio Cultural Brasileiro, que reúne 25 entidades da sociedade civil e que congrega profissionais e pesquisadores de áreas vinculadas e afins à preservação do patrimônio cultural. No dia 3 de janeiro de 2023, o grupo lançou um Manifesto em Defesa do IPHAN. No documento, afirma que “é fundamental o estabelecimento de critérios objetivos para cargos de liderança estratégica na gestão do IPHAN. Tais critérios devem ter como base o conhecimento técnico”. O Fórum ressaltou que o caráter operacional dos referidos cargos exige de seus ocupantes uma formação acadêmica e uma experiência profissional prévia com a temática. Sem o necessário conhecimento técnico nos postos-chave, coloca-se em risco todo o funcionamento da estrutura de preservação do patrimônio em nosso país.

Portanto, o Brasil precisa urgentemente repensar a forma como escolhe seus gestores públicos. A nomeação de pessoas sem qualificação técnica para cargos estratégicos é uma prática que precisa ser abolida. A tragédia da Igreja de Ouro é um triste lembrete de que o descaso com o patrimônio histórico e a incompetência na gestão pública têm consequências reais e, muitas vezes, irreversíveis.

Essa negligência não se limita a Salvador. Quem circula em Brasília, mais especificamente na Esplanada dos Ministérios, parece que chegou numa grande feira livre, tal a quantidade de toldos instalados na frente de prédios que integram um patrimônio da humanidade, tombado pela UNESCO, como se estivesse em curso uma campanha para Brasília perder o título. Onde está o IPHAN?

A sociedade brasileira merece respostas e ações concretas para que tragédias, como a de Salvador, não se repitam. O patrimônio histórico do Brasil é um tesouro que precisa ser protegido, e isso só será possível com gestores competentes e comprometidos com a causa.

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Uma resposta

  1. Parabéns pelo artigo que traduz o
    Pensamento de muitos brasileiros . O patrimônio está negligenciado em todo país por falta de ação do poder público que prefere festejar a cultura do entretenimento .

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