Fogo e negligência

Fábio Paiva

Todos os anos, biomas fundamentais como a Amazônia, o Cerrado e o Pantanal são devastados por queimadas descontroladas. Esses incêndios recorrentes, muitas vezes provocados pela ação humana, ameaçam a biodiversidade e os povos tradicionais que dependem desses ecossistemas. O problema é agravado pela falta de infraestrutura e tecnologias adequadas para combater o fogo, o que gera uma resposta defasada e ineficiente diante da magnitude da destruição que as queimadas provocam, principalmente em tempos de estiagem.

Há décadas o Brasil enfrenta o problema, mas nunca se preocupou em adquirir aeronaves específicas para o combate a incêndios florestais. O uso de helicópteros e aviões agrícolas adaptados, ineficazes para operações de grande escala, é um absurdo histórico. Só agora, com muito atraso, após um desastre climático que devastou grande parte do território nacional, depois que cidades e regiões inteiras foram engolidas pela fumaça e pela fuligem, provocando o caos na saúde pública, é que o governo federal admitiu, enfim, a necessidade de aquisição de aeronaves específicas para combater incêndios florestais.

O descaso também é histórico. Em 2019, por exemplo, o governo federal chegou a rejeitar uma oferta de US$ 20 milhões do G7 para o combate às queimadas na Amazônia. O primeiro-ministro canadense Justin Trudeau, também ofereceu aviões-tanque e R$ 47,2 milhões, mas a resposta foi a mesma.

Só recentemente, depois de Brasília ter ficado sob fuligem cerrada, por conta do maior incêndio já registrado no Parque Nacional, depois de milhares de pessoas terem adoecido e outros milhares de animais terem morrido, depois que boa parte do país ficou envolvida na fumaça, é que o governo federal decidiu correr atrás do prejuízo, acionando suas representações diplomáticas para buscar ajuda internacional e enfrentar os incêndios florestais. Com certeza, uma medida que chega com grande atraso.

Reitero que as queimadas não são apenas uma tragédia ambiental, com a destruição de matas e o genocídio de milhares de espécies animais, mas também um desastre para a saúde pública, por conta do envenenamento do ar que elas provocam. Elas são o reflexo de escolhas políticas equivocadas e de uma gestão ambiental enfraquecida.

Outro aspecto preocupante é a especulação imobiliária, principalmente em áreas de conservação. Em Brasília e outras regiões, há relatos de incêndios provocados com a intenção de desvalorizar áreas e abrir espaço para novos empreendimentos. Pessoas têm sido presas após atearem fogo em vegetações protegidas para facilitar a expansão de terras agrícolas ou a construção de novos empreendimentos. Em alguns casos, apenas por maldade mesmo!

Essa prática criminosa se aproveita da fiscalização deficiente e dos interesses específicos que se sobrepõem à preservação ambiental. Alguns grupos veem as queimadas como uma forma de desvalorizar a terra, facilitando uma ocupação futura. E ainda atuam com a certeza da impunidade. Afinal, a legislação é frouxa. Comprovada a intenção de provocar o incêndio, a Lei prevê que o autor está sujeito à pena de dois a quatro anos de prisão e multa. Em situação culposa, de menor potencial ofensivo, a pena é de seis meses a um ano de prisão e multa. Mas agora, depois de tanta repercussão negativa, inclusive internacional, e de tanta crítica pela ineficiência no controle dos incêndios, as autoridades resolveram se mexer. Tanto no Governo quanto no Congresso Nacional, começou um movimento para que a Lei fique mais dura contra os autores de queimadas criminosas.

Diante do avanço alarmante das queimadas, o Brasil precisa agir com urgência e eficiência. A decisão tardia de que o país precisa de aeronaves específicas para combate a incêndios florestais é apenas um primeiro passo. O governo precisa consolidar uma estratégia que inclua maior fiscalização, mais recursos financeiros e humanos, medidas punitivas mais duras contra aqueles que provocam queimadas criminosas e colaboração internacional eficaz para proteger os biomas ameaçados.

Além disso, é necessário que a especulação imobiliária e os interesses econômicos que impulsionam os incêndios sejam fortemente combatidos, para que os biomas brasileiros sejam preservados para as futuras gerações. O futuro ambiental do Brasil depende de um compromisso firme com a proteção de sua biodiversidade e dos seus recursos naturais. O período de estiagem está no final e a chuva começa a dar o ar da graça. Nos resta agora esperar que a lição tenha sido aprendida e o poder público tome as providências necessárias para evitar que o sufoco deste ano não se repita em 2025.

Facebook
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *